‘Não representam nem a magistratura nem o MPF’, diz ex-PGR sobre Moro e Deltan
Afasta esse cálice A crise da Lava Jato começa a gerar críticas enfáticas de nomes relevantes no Ministério Público Federal. O ex-procurador-geral Claudio Fonteles produziu duro artigo, ao lado de outros três procuradores aposentados e um ex-juiz do TRF-4.
Afasta esse cálice 2 O texto elenca as mensagens entre Moro e Deltan Dallagnol reveladas pelo The Intercept Brasil e diz que a conduta de ambos fere a Constituição. “Os personagens dos diálogos acima, na dimensão dos fatos postos, não representam a magistratura nem o MPF”, dizem os signatários do artigo.
Sem misericórdia Os ex-procuradores e o juiz aposentado escrevem ainda que “fatos gravíssimos (…) não podem ser escondidos; colocados sob o manto do silêncio”. “Os diálogos existiram. O teor das conversas não foi negado. (…) Não se pode tergiversar com princípios constitucionais!”.
Mata no peito O diálogo obtido pelo The Intercept com citação ao ministro Luiz Fux, do STF, pode ampliar o desconforto na corte. Moro teria dito a Dallagnol que “In Fux we trust [No Fux nós confiamos]”. A avaliação é a de que isso amplia a sensação de uma dobradinha juiz/procurador.
Leia a íntegra do artigo
Não se pode tergiversar com os princípios constitucionais
Em 21 de fevereiro de 2016, o então juiz federal Sergio Moro, em conversa com o procurador da República Deltan Dallagnol, diz:
“Olá. Diante dos últimos desdobramentos talvez fosse o caso de inverter a ordem das duas planejadas”.
Em 27 de fevereiro, em nova conversa com o mesmo interlocutor, pergunta:
“O que acha dessas notas malucas do diretório nacional do PT? Deveríamos rebater oficialmente? Ou pela Ajufe?”
Em 31 de agosto de 2016 reclama com Deltan Dallagnol:
“Não é muito tempo sem operação?”
Em 07 de dezembro de 2015, Sergio Moro comunica a Deltan Dallagnol que:
“Então. Seguinte. Fonte me informou que a pessoa do contato estaria incomodada por ter sido a ela solicitada a lavratura de minutas de escrituras para transferências de propriedade de um dos filhos do ex-Presidente. Aparentemente a pessoa estaria disposta a prestar a informação. Estou então repassando. A fonte é séria”.
Eis trechos –e há outros tantos– publicados no domingo (9) pelo site The Intercept Brasil.
Sem dúvida o atributo essencial da atividade judicial, a imparcialidade é garantia da cidadania e expressão do Estado democrático de Direito, constitucionalmente consolidada no artigo 5º, inciso 35. Posto que o princípio é o da inafastabilidade do Poder Judiciário para a solução dos conflitos, é imperativo constitucional que o magistrado atue com imparcialidade, sob pena de mergulharmos no arbítrio do juiz. Extravasar sentimentos pessoais a privilegiar, escancaradamente, uma das partes na controvérsia judicial posta a seu exame viola a referida imparcialidade.
Eis porque imperiosa se faz a abertura de plena investigação sobre tais fatos.
Não há de prosperar o argumento de que em se tratando de conversa privada sua interceptação e publicização invalidaria essa prova, assim apresentada. As circunstâncias mostram, ao contrário, que as revelações têm caráter político e as conversas são sobre temas públicos.
Fatos gravíssimos revelados, se se vive em sociedade autenticamente democrática, não podem ser escondidos; colocados sob o manto do silêncio para que sejam esquecidos. Tais fatos são certos. Os diálogos existiram. O teor das conversas não foi negado.
A transparência é o melhor instrumento da verdade, assim posta ao conhecimento de todos. O esquecimento sobre o conduzir-se de quem quer que seja agente público não se compraz com o necessário controle da cidadania participativa.
O membro do Ministério Público, portanto, não pode, por qualquer meio, mancomunar-se com o julgador; aceitar qualquer tipo de instrução ou orientação advinda de juiz da causa, porque o membro do Ministério Público tem a missão constitucional relevante “de defesa da ordem jurídica e do regime democrático” –artigo 127 da Constituição Federal– pelo que é o fiscal da correta aplicação da lei, mostrando-se intolerável sua ostensiva participação em privilegiar-se de comportamento judicial, que o favoreça unilateralmente.
Os personagens dos diálogos acima, na dimensão dos fatos postos, não representam a magistratura federal nem o Ministério Público Federal.
Não se pode tergiversar com os princípios constitucionais!
Álvaro Augusto Ribeiro Costa, ex-procurador federal dos Direitos do Cidadão
Claudio Lemos Fonteles, ex-procurador-geral da República
Manoel Lauro Wolkmer de Castilho, juiz do Tribunal Regional Federal da 4ª Região aposentado
Wagner Gonçalves, ex-procurador federal dos Direitos do Cidadão