‘Não vejo futuro para o PT se partido não voltar ao trabalho de base’, diz Frei Betto

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Coordenador do Fome Zero no primeiro mandato de Lula, Frei Betto diz não ver futuro para o PT se o partido seguir com a “ideia fixa de ganhar a próxima eleição”. O frade dominicano cobra uma reação e a reaproximação da sigla com os setores populares: “É passada a hora de fazer autocrítica e de redefinir prioridades”. Para ele, é preciso construir uma nova alternativa de poder, pois aquela que se viabilizou nos últimos 13 anos naufragou pela ganância e por “alianças promíscuas”.

Frei Betto afirma que uma frente ampla de esquerda no Brasil só será viável “se os setores progressistas descerem do salto alto da arrogância de disputar hegemonia política e calçarem a sandália da humildade”.

Betto também critica o movimento do PT para lançar “figurões” do partido à Câmara em 2018: “Essa tendência ao caciquismo seria um canto do cisne”.

Depois do resultado das eleições deste ano, como o PT deve atuar a partir de agora?

Frei Betto – Não sou e nunca fui militante partidário. Porém, concordo com Tarso Genro e Fernando Haddad de que é passada a hora de o PT fazer autocrítica, avaliar seus erros e redefinir seus objetivos e prioridades numa nova estratégica programática.

Caso contrário ele corre o risco de sofrer, em 2018, o abalo do mesmo tsunami eleitoral que reduziu drasticamente o número de seus vereadores e prefeitos nas eleições municipais deste ano.

Há uma corrente, liderada pelo ex-ministro Tarso Genro, que defende a refundação do PT, tendo como um dos pontos de partida a admissão dos erros. Como vê essa saída?

Creio que toda a opinião pública espera do PT uma avaliação de sua trajetória nesses 13 anos de governo e uma redefinição de seu programa político.

Não vejo futuro para o PT se não voltar ao trabalho de base, à formação de militantes, à alfabetização política dos movimentos sociais.

Já há um temor interno de que a derrocada nas eleições deste ano se repita em 2018. Por isso, já há um movimento para lançar os ‘figurões’ do partido à Câmara. É uma saída?

Essa tendência ao caciquismo seria um canto do cisne. Talvez meia dúzia de “figurões” possam ser eleitos, mas a bancada corre o risco de ficar ainda mais reduzida.

É preciso voltar a pensar o Projeto Brasil, e não fixar a atenção na próxima eleição. O PT precisa construir uma alternativa de poder, pois a de governo já naufragou asfixiada pelas mãos do poder pelo poder. E uma alternativa de poder só se constrói pela organização dos setores populares.

Em outra frente também se discute a formação de uma frente ampla, nos moldes da do Uruguai, aglutinando movimentos sociais e partidos como uma forma de resgatar a esquerda. O que acha desse modelo?

Considero a Frente Ampla uruguaia uma alternativa politicamente muito acertada. Mas, aqui no Brasil, ela só será possível se os setores progressistas descalçaram o salto alto da arrogância de disputar hegemonia política e calçarem a sandália da humildade via fortalecimento dos movimentos sociais.

O nome que tem surgido dessa articulação para representar o movimento em 2018 é o de Ciro Gomes. Ele representa a esquerda?

Não o considero de esquerda.

Tarso Genro tem dito que Haddad tem papel fundamental nesta reorganização da esquerda. Concorda? E o ex-presidente Lula, qual é o papel dele?

Lula, Tarso Genro, Haddad, todos têm muita responsabilidade política de, urgentemente, ajudarem a refletir os descaminhos e caminhos do PT e do Brasil. O que não podem é bancar o avestruz e ficar esperando novas derrotas no futuro. Há que construir no Brasil um processo histórico, e não ficar com a ideia fixa de ganhar a próxima eleição.

Nesse sentido tiro o chapéu para as igrejas evangélicas: elas traçaram uma estratégia, a longo prazo, de ocupar espaços, primeiro, no Legislativo e, agora, no Executivo e no Judiciário.

Isso o PT deveria ter feito lá em 2003, se tivesse valorizado os movimentos sociais e suas lideranças, em vez de buscar alianças promíscuas, que acabaram por contaminá-lo.